quinta-feira, março 02, 2006

Dia 12 - um tapinha não dói

Totoro,

Depois de conversar com você fui assistir, finalmente, Fale com Ela.
Engraçado, porque à época, eu estava com um pouco de canseira do Pedro Almodóvar, achando filmes como Tudo sobre a minha mãe e A flor do meu segredo sensíveis demais.
Voltei a assisti-lo quando vimos no cinema o Má Educação, que nesse sentido eu tinha achado ótimo, porque voltava para tema mais masculinos: sexo, violência, desejos.
E descobri, para minha surpresa absoluta que havia perdido, exatamente o elo entre as duas coisas: Fale com Ela.
Filme instigante esse, incômodo, difícil de enquadrar, de classificar.
Até porque ele utiliza umas técnicas que eu não via há muito tempo no cinema contemporâneo, como falar de arte apresentando a arte;
mas consegue escapar de longe de qualquer, qualquer, qualquer clichê.
Como um filme consegue usar tanto de uma linguagem clichê e ser uma obra absoluta anti-determinismo? Não sei, mas é exatamente isso que Fale com Ela é.
A feminilidade, a masculinidade, a vida, a morte, a suavidade, a violência, a paixão, o ódio, estão todos lá, todos confrontando-se e, eu juro,
não há um único momento em que você diz: ha-há! Peguei você! Olha o determinismo aí, olha a obviedade surgindo, olha as convenções... nada, nada.
Na verdade, é o filme pega você o tempo todo. O filme joga na sua cara toda hora: ah, pensou que isso? Não, é aquilo.
Detalhe: o filme não é do Igmar Bergman. Não tem discussões filosóficas, chatonildas, pra intelectualzinho punheteiro se divertir não.
O filme é sobre a vida cotidiana. Como sempre. A vida cotidiana que é surpreendente, que pode acordar você, que pode tirar qualquer um do sono profundo.
Tem um diálogo perfeito já no final do filme, que uma senhora diz para o protagonista:
- Um dia nós temos que conversar.
Aí ele responde:
- Sim, temos sim, mas vai ser simples.
Ela:
- Simples? Eu sou dançarina e sei, nada é simples.
Aí você lembra da frase do Fred Astaire, que dizia que os outros dançarinos treinavam 7, 8 horas para fazer bem feito, ele treinava, 10, 12 horas para parecer fácil.
Aliás, acho que o Almodóvar conseguiu com esse filme chegar lá. Ele surpreende o espectador o filme inteiro, e ainda faz parecer que se trata da coisa mais natural e simples do mundo.

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