domingo, novembro 28, 2004

A Missão

Finalmente terminei o primeiro volume de Memória do Fogo, coletânea de relatos históricos recontados e reinventados por Eduardo Galeano sobre a conquista da América. Durante toda a leitura, você se pergunta: Por que eles conseguiram? Como eles foram capazes? Quem permitiu??

Talvez seja essa a resposta:

1691
Placentia

ADARIO, CHEFE DOS ÍNDIOS HURÕES, FALA AO BARÃO DE LAHONTAN, COLONIZADOR FRANCÊS DE TERRANOVA

Não, já bastante miseráveis são os senhores; não imagino como poderiam ser piores. A que espécie de criaturas pertencem os europeus, que classe de homens são? Os europeus que só fazem o bem por obrigação, e não tem outro motivo para evitar o mal que o medo ao castigo...
Quem lhes deu os países que habitam? Com que direito os possuem? Estas terras pertenceram desde sempre aos algonquinos. De verdade, meu irmão, sinto pena de ti do fundo da minha alma. Siga meu conselho e faça-te hurão. Vejo claramente a diferença que há entre a minha condição e à tua. Eu sou meu amo, e o amo da minha condição. Eu sou o amo do meu próprio corpo, disponho de mim, faço o que me dá prazer, sou o primeiro e o último da minha nação, não tenho medo de ninguém e só dependo do Grande Espírito. Em compensação teu corpo e tua alma estão condenados, dependem do grande capitão, o vice-rei dispõe de ti, não tens liberdade de fazer o que te vier a cabeça; vives com medo dos ladrões, das falsas testemunhas, dos assassinos; e deves obediência a uma infinidade de pessoas que estão por cima de ti. É verdade ou não é verdade?
(Eduardo Galeano, Memória do Fogo, Vol. 1 - Os Nascimentos)

Quem sabe, a força-motriz de tanta violência e destruição não foi a inveja?








terça-feira, novembro 23, 2004

A Identidade Bourne

Eu acho muito engraçado quando percebo uma imagem minha formulada pelo outro. Na maioria das vezes não é uma imagem falsa, porém é diferente da que eu mantenho de mim mesma. Por esses dias, isso aconteceu em duas situações.

Na primeira, descobri que, dentro de um determinado universo, eu sou a Ludmila do MST. Explico-me: em função de uma situação, entrei em uma comunidade do ORKUT denominada Anti-MST. Minha intenção ao trocar idéias naquele espaço, não era exatamente defender esse ou aquele movimento, mas no fundo, apresentar a possibilidade àquelas pessoas de manter um diálogo civilizado e racional com outras pessoas que pensam diferente delas.

Aliás, acredito eu, atualmente essa tem sido uma das minhas principais bandeiras: a tolerância. As pessoas podem discordar sem se ofender ou abrir mão de preceitos éticos, morais, sociais e de boa convivência.

Voltando ao ponto. Depois de mais de um mês do ocorrido, algumas pessoas comentaram comigo sobre o fato, como se ele, de certa forma, definisse a minha identidade ideológica.

Isso é muito interessante porque, na verdade, eu não tenho nenhuma relação com o MST, minha simpatia pelo movimento é cercada de reticências, mas o fato é que expondo meus pontos de vista acabei recebendo uma nova identidade. Longe de mim rejeitá-la, confesso que a recebi com estranheza mas também com um certo orgulho.

O segundo caso é que, para minha surpresa, algumas pessoas me consideram uma apreciadora de cachaça. Não é que eu não goste realmente, acontece que agora sou tratada (muito bem, diga-se de passagem), como uma exímia conhecedora da marvada.

Fui agraciada com duas garrafas esse sábado. Uma diretamente de Florianópolis, presente de um verdadeiro apreciador da bebida. A outra ganhei do Fred, da fazenda do pai dele, ou seja, fabricação própria. Outro interessante detalhe desse fenômeno é que agora, quando me convidam para uma festa, alguém sempre comenta: "olha, vai ter uma cachacinha , da terra do meu avô (ou algo que o valha), você não pode perder, aparece por lá".

Se eu gosto de cachaça? Gosto sim. Se eu entendo? Sinceramente, muito pouco. Por que as pessoas acham que eu entendo do assunto? Não tenho a menor idéia. Tudo bem que eu tenho casos engraçados que envolvem cachaça. Tudo bem que eu já cheguei na Letras & Expressões e a garçonete perguntou: E você Ludmila, o de sempre? E o de sempre era uma dose de Lua Cheia. Isso não significa, entretanto, que eu saiba diferenciar cachaças além de: essa eu gostei e essa eu não gostei. Na verdade, eu entendo é de beber, só isso, e ficava até meio receosa de ficar com fama de bebum, desregrada, e tal. Quem diria que beber cachaça hoje em dia é cult...

Aproveito a oportunidade e aviso aos navegantes que, nesse segundo caso, eu faço fama e deito na cama. Não rejeito, pelo contrário, agradeço todas as garrafas e doses que ganhei e prometo continuar me esforçando para merecer um dia o respeito dos amigos e apreciadores que me presentearam.





segunda-feira, novembro 15, 2004

Todos dizem Eu te amo

Pela terceira vez, serei madrinha de casamento!
Fico muito feliz quando isso acontece.
Primeiro porque considero o convite uma demonstração de afeto dos noivos e segundo porque sempre tive a sorte de "casar" pessoas bacanas.

Sexta é a vez do Edson e da Zaine. Espero que eles sejam muito felizes.




quarta-feira, novembro 10, 2004

Laços de Ternura

Tem dias de sol que a gente acorda completamente cinza.

Tem notícias no jornal que bombardeiam qualquer bom humor.

O Bush vence, o Arafat piora...

Algumas perguntas teimam em continuar sem respostas.

Às vezes, até pessoas bacanas dizem bobagens sem tamanho.

Agora, de vez em quando, pra não ressecar demais, é bom lembrar de algumas palavrinhas como mesmo e assim.

Mesmo assim, a molecada continua crescendo e chegando.

Mesmo assim, sempre há novos amigos para se fazer.

Mesmo assim, sempre há velhos e bons amigos para se reencontrar.

Mesmo assim, namorar é muito bom.

Mesmo assim, depois de um dia trabalhoso, você pode chegar em casa e encontrar abacaxi e melancia na geladeira.

Mesmo assim, já dizia a minha avó, não há bem que sempre dure, não há mal que não se acabe.

Mesmo assim, a gente pode ser meio emotivo, otimista, até ingênuo mesmo, de vez em quando. Faz mal não. Faz bem. Para gente e para os que estão em volta.

Então, um sambinha do Paulinho para mim e para você.
Com votos que ele melhore.

Argumento
Paulinho da Viola

Tá legal
Tá legal, eu aceito o argumento
Mas não maltrate o samba tanto assim
Olha que a rapaziada está sentindo a falta
De um cavaco, de um pandeiro ou de um tamborim

Sem preconceito ou mania de passado
Sem querer ficar do lado de quem não quer navegar

Faça como um velho marinheiro
Que durante o nevoeiro
Toca o barco devagar.





quinta-feira, novembro 04, 2004

Il Postino

Poema em Linha Reta
Álvaro de Campos

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó principes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.